fronteira livre na exposição imaginário da cidade
O papel da arquitetura e daquilo que entendemos enquanto projeto vêm, nas últimas décadas, passando por um profundo processo de reconfiguração (por mais, ou menos silêncio que se faça sobre). A figura do arquiteto (homem) solitário sentado frente à sua prancheta dedicando horas e mais horas à perspectiva perfeita e solta no espaço – entre um cigarro e outro limpa os resquícios de nanquim das mãos – , parece hoje uma alegoria bastante distante. Ainda resiste uma certa nostalgia incrustada nessa imagem que, se reproduzida pelas gerações mais jovens, mais assemelha-se ao velho saudosismo de um tempo não vivido. Há um descolamento dimensional incontestável e uma responsabilidade inerente ao reconhecimento deste fato, quer queira, quer não.
Os tempos mudaram e, naturalmente, o que se entende por arquitetura também mudou. É, não apenas salutar, como necessário, que o campo de atuação da(o) profissional de arquitetura, e a profissional ela(e) própria(o), permita constante reformulação.
Em 2017, com o tema Em Projeto, a 11a Bienal de Arquitetura de São Paulo jogou luz sobre questões que, apesar de fundamentais para uma crítica e atuação coerentes no contexto contemporâneo das cidades, ainda são pouco debatidas. Nos espaços de discussão ditos “formais”, à exemplo, a academia, muito pouco se discute sobre o que entende-se ou não enquanto projeto de arquitetura, e porquê.
Nas palavras da curadoria:
“(A 11a Bienal de Arquitetura de São Paulo – Em Projeto) Propõe repensar o projeto singular como instrumento capaz de reunir/agrupar a interdisciplinaridade necessária que o fenômeno cidade exige. Sugere uma atitude experimental que questiona o lugar do projeto na cidade e enfoca o processo que caracteriza o percurso desta Bienal: em construção, em projeto (…) Como articular os agentes, compartilhar o conhecimento e expandir a ação do arquiteto? Para reagir às incertezas atinentes à metrópole contemporânea, se faz necessário que os profissionais da arquitetura e da cidade reconsiderem a validade e o controle que a noção de projeto obteve ao longo da história.”
A Goma Oficina integrou a exposição Imaginário da Cidade, que reuniu diversas iniciativas mapeadas pelo Observatório da Bienal e outros trabalhos selecionados por meio de chamada aberta. Com o objetivo de reconhecer e dar visibilidade à conhecimentos produzidos cotidianamente na cidade de São Paulo pelos mais variados agentes, a exposição abrigou formatações que incluíram desde ensaios fotográficos, caminhadas, guias ilustrados, instrumentos de comunicação (rádios, projeções, transmissão ao vivo, jornais, revistas) até ações experimentais como construções temporárias, ações efêmeras, performances, intervenções, construções-teste e de protótipos. Outros projetos que estivessem relacionados à leitura e expressão da multiplicidade de perspectivas no território da cidade também integraram esse compilado.
O projeto Fronteira Livre se propôs à abordar um dos processos mais emblemáticos na atualidade, presente em escala global: a imigração. As fronteiras são físicas, materializadas por parede de bloco sobre bloco, mas também invisíveis: são culturais, sociais e econômicas.
Fronteira Livre é um projeto de arquitetura, de design gráfico, de estamparia e de intervenção, possível graças à um processo coletivo envolvendo os mais variados agentes (imigrantes, educadores, arquitetas e arquitetos, fotógrafos, designers, funestudantes e artistas).
Mais do que refletir a amplitude do campo de atuação da arquitetura, parece cada vez mais necessário compreender a potência humana que reside no trabalho coletivo e interdisciplinar. E interferir o silêncio nostálgico, com a polifonia dos saberes, tem se mostrado um bom começo de conversa.